sábado, 5 de junho de 2010

SEM A REGULAMENTAÇÃO DA CONCESSÃO DA FUNÇÃO COMISSIONADA O SERVIÇO PÚBLICO VAI PARA O BREJO

Em princípio as funções comissionadas dos órgãos públicos deveriam ser concedidas às pessoas como uma forma de reconhecimento pelo bom desenvolvimento do trabalho e de estímulo em prol de melhores resultados no desempenho institucional. Entretanto, como na maioria dos órgãos públicos não há uma política clara sobre a sua concessão, a função comissionada tornou-se uma moeda de troca de favores entre os detentores do poder. Apesar de se ter uma norma para combater o nepotismo, a realidade mostra que ela, assim como outras leis no Brasil, não é cumprida.

É comum a cada nova gestão haver o ingresso dos “amigos do rei”, cujo principal critério de seleção utilizado é o princípio da confiança. Assim de periquitos a papagaios acabam ingressando no serviço público sem preparo profissional e sem nenhum comprometimento para com o órgão, mas tão somente para com o seu “rei” e para consigo mesmo (Lei de Gérson), trazendo uma série de conseqüências maléficas para o dia a dia da organização. Como para toda regra, há exceções, é claro que existem alguns profissionais qualificados e competentes que são convidados para exercer funções comissionadas pelo rei.

Como as funções comissionadas são, na sua grande maioria, de posições estratégicas que ditam os caminhos (visão de futuro) a serem tomados para o cumprimento da missão institucional (o porquê da existência do órgão), o serviço público muda de feição a cada troca de gestão, pois as novas chefias querem deixar sua marca registrada, descontinuando o processo de trabalho até então reinante, para aplicar os seus próprios métodos de trabalho mesmo que isso signifique reinventar a roda e desperdiçar o dinheiro público investido nos projetos que foram interrompidos.

Além da ocorrência de descontinuidade administrativa, existe também o fato dos “amigos do rei” não permitirem que o gestor que iniciou o trabalho receba os créditos pelo seu feito, como se nada houvesse sido realizado anteriormente. Isso se deve ao fato de que o novo chefe – num pensamento altamente egoísta, não quer rechear a empadinha do outro, mas tão somente a sua.

O lado mais perverso de tudo isso é que quando o trabalho começa a engrenar com a superação dos mandos e desmandos dos novos “amigos do rei”, há a mudança de gestão e se reinicia todo o processo num ciclo vicioso sem fim.

A falta de comprometimento e a falta de conhecimentos técnicos sobre o desenvolvimento do trabalho e sobre o funcionamento do órgão pelos “amigos do rei” fazem com que as decisões sejam tomadas mais para agradar o soberano do que em prol do bom desempenho do trabalho.

Talvez as maiores competências que os “amigos do rei” possuam e desenvolvam na condução do trabalho são: saber massagear o ego e exercer o papel de bobo da corte para atendimento dos caprichos pessoais do rei.

Nesse processo de puxada de saco, os “amigos do rei” são capazes de se submeterem a infinitas humilhações e aceitarem desafios fora da sua alçada de competência. Às vezes sua atuação se limita a assinar documentos cujos assuntos tratados são por eles completamente desconhecidos, inclusive permitindo que ele seja utilizado como “laranja” de processos escusos.

Em outras vezes ele tenta aprender os serviços com os seus subordinados ou por meio da participação em cursos de capacitação, tirando a oportunidade do servidor de se capacitar e aplicar na prática o aprendizado, mesmo após a troca de gestão.

Mas o desempenho dos “amigos do rei” obviamente não passa da mediocridade, uma vez que o processo de aprendizado não ocorre do dia para noite, mas sim ao longo do tempo com o acúmulo do conhecimento e das experiências profissionais. Entende-se como desempenho a relação entre investimento x retorno que se obtém deste investimento. Assim sendo o resultado do desempenho de um profissional pode ser dado pela sua capacidade de fazer e de sua atitude de querer fazer um trabalho de excelência.

Como navegam ao sabor dos bons ventos soprados pelo rei, os “amigos do rei” desconhecem o porto no qual irão aportar deixando o trabalho à deriva. Não obstante utilizarem tempo, recursos e tecnologia da informação de última geração os resultados de suas ações são estéreis que só servem para dilapidar os cofres públicos.

Por mais estéreis e maléficas que as ações sejam para o bom andamento do serviço, os “amigos do rei” não são punidos, pois eles estão justamente sob a proteção do responsável pela repreensão ou punição, consolidando dentro do órgão a prática do dito popular: para os amigos tudo, para os inimigos os rigores das leis.

Enquanto os “amigos do rei” estão fazendo tudo para continuarem nas graças do rei e com isso se favorecerem com os benefícios pecuniários e de poder/status advindos da função comissionada, os servidores da casa acabam ficando somente com o ônus, conduzindo o trabalho como verdadeiros burros de carga, tornando-se o bode expiatório dos maus resultados obtidos pela chefia e sendo responsáveis pela produção do mínimo necessário que garanta a sobrevivência do órgão ao longo do tempo.

Assim ao mesmo tempo que os “amigos do rei” lambem para cima, cospem para baixo o fel de sua incompetência. Evidentemente que o seu poder instituído por meio da função comissionada, não lhe dá credenciais para ser visto como um chefe a ser respeitado, tendo em vista que o cargo de chefia requer a observância de papéis específicos e um comportamento adequado. Por isso ele não pode fazer o que quer simplesmente por ser “amigo do rei”, mas o que tem de ser feito em prol dos bons resultados para a organização.

Como o respeito é conquistado e não imposto por uma posição hierárquica, quando os chefes não demonstram nenhuma preocupação com a forma pela qual as equipes recebem e reagem às suas demandas, simplesmente porque pressupõem que o poder instituído pelo cargo é suficiente para dispor os subordinados em boa cadeia de comando e fazê-los trabalhar a contento, eles estão fadados ao insucesso. Mas eles normalmente não admitem que esse insucesso é resultado de sua postura, mas sim tão somente da atuação de seus (in)subordinados.

Se porventura forem advertidos pelo rei que o desempenho de sua unidade está aquém do esperado, em vez de analisarem a situação e corrigirem as distorções, eles reativamente buscam moldar o comportamento dos subordinados aos seus pressupostos, imputando-lhes um rígido controle acompanhado de uma opressão para manter o seu poder, instalando o assédio moral no âmbito da unidade administrativa sob o seu comando.

Ao minar a auto-estima dos seus subordinados, os “amigos do rei” tiram a capacidade de questionar e de ser criativos e provoca neles um profundo sentimento de frustração. Um indivíduo oprimido pode até cumprir tarefas braçais ou burocráticas, mas não trará inovações necessárias à longevidade do órgão.

Quando os servidores ficam frustrados e não admiram os seus chefes, eles entram em linha de confrontação ou de negação passiva da autoridade tornando-se cada vez menos produtivo e comprometendo os resultados da unidade administrativa.

Esses fatores de corrosão tendem a aumentar com o passar do tempo, sendo o mais crítico deles a cegueira gerencial que provoca um enorme fosso entre os que mandam e os que devem obedecer, ainda mais se predominar um fluxo de informação verticalizada, em virtude da estrutura hierarquizada dos órgãos públicos, dificultando bastante a vazão, de forma livre e isenta, das idéias.

A boa hierarquia, aquela que ajuda o grupo a sobreviver e evoluir, deve buscar comportamentos eficazes, uma conduta madura, harmonização de interesses, a sinergia de esforços de cada um de seus colaboradores.

A influência exercida pela chefia sobre os seus subordinados e vice-versa deve ocorrer por meio de um eficiente processo de comunicação baseado em princípios éticos e morais, uma vez que o processo de comunicação desempenha um papel importante na administração, na percepção e na leitura do ambiente social, contribuindo para a análise dos planos de negócios da organização, identificando problemas e oportunidades.

Quando é estabelecida uma boa relação com o processo comunicativo, onde todos têm a oportunidade de transmitir suas idéias, há uma melhora nas relações interpessoais, gerando produtividade, resultados e sucesso nas ações cotidianas e, por conseguinte, desenvolvido um clima organizacional saudável efetivamente necessário para a organização.

Como no serviço público não há mais a ascensão funcional e há a concessão deturpada da função comissionada, a perspectiva de crescimento/satisfação profissional do servidor, por mais que ele se capacite e se esforce para apresentar melhor desempenho profissional, fica totalmente limitada ao seu bom-senso de dever para com o trabalho.

Sem contar com um o apoio efetivo do departamento do RH, que atua normalmente de forma capenga na elaboração e aplicação de diretrizes de pessoal, o servidor após anos de dedicação sem reconhecimento acaba num beco sem saída: resignando-se com a injustiça e/ou buscando um novo emprego que o remunere melhor ou que lhe reconheça como profissional.

Por isso, está cada vez mais freqüente o turnover de servidores no Poder Executivo, no Poder Legislativo e o no Poder Judiciário. Isso significa perda de bons profissionais e descontinuidade do processo de aprendizagem organizacional.

Os servidores que permanecem por muitos anos no órgão nessas condições de frustração, acabam se tornando pessoas amargas, desmotivadas e ou descrentes com toda a ação desassociada da sua vivência diária de trabalho promovida pelo órgão.

Por mais que se lancem programas mirabolantes que pregam isto e aquilo, dizem o que deve ser feito, que expressem o que querem e dão à impressão de saberem para onde conduzem os resultados, mas apenas se sustenta na fala e não nas ações do que pregam, os resultados são: colaboradores frustrados, pessoas que não compram e muito menos vendem as idéias que foram pregadas, descontentamento e críticas.

Enquanto não houver uma percepção clara de justiça e de possibilidade de valorização do seu trabalho, o servidor não se engajará no processo de mudança e tentará manter a todo custo o seu “status quo”.

A desmotivação do servidor impacta na sua saúde e no seu desempenho funcional, uma vez que ele não tem o motivo para ação, tornando-se lento ou ficando fora de combate com uma série de doenças originadas no ambiente de trabalho. Quanto maior o número de servidores desmotivados, maior a propensão de toda a organização adoecer e de sucumbir por inércia.

Muitos órgãos públicos atualmente se encontram na UTI e se não tomarem providências rápidas a esse respeito, há uma forte tendência deles sucumbirem. Inclusive a sua extinção será muito mais benéfica para população do que a sua continuidade pelo menos representará a economia do dinheiro público.

Para que os órgãos públicos mantenham-se legítimos perante a sociedade, seus parceiros, participantes e colaboradores, devem implantar ações estratégicas que lhe permitam cumprir o seu objetivo de ser ou de existir.

O primeiro passo nesse sentido é as autoridades se despirem de sua vaidade e abrirem mão da serventia de seus “amigos” em prol do cidadão que deve ocupar o centro das atenções dos esforços do órgão como um todo, bem como determinar que o RH elabore e implante diretrizes de pessoal a serem plenamente cumpridas por todos.

Como se pode pedir a outrem o que eu não sou capaz de fazer? Nossos gestos, atitudes e palavras fazem parte, permanentemente, de nossa existência e, por isso, têm o poder de projetar comportamentos, personalidade e caráter.

As pessoas ensinam fundamentalmente por meio do exemplo. Tendemos a ouvir ou seguir aqueles que prioritariamente nos conquista ou nos mostram com ações, com seu exemplo, os caminhos mais corretos, os perigos a serem evitados ou o erro que estamos cometendo ou prestes a cometer.

Assim sendo as autoridades devem ser os primeiros a dar o bom exemplo na adoção das diretrizes de pessoal, tendo em vista que nada é mais forte do que o exemplo, como diz o ditado “A palavra conduz, mas o exemplo arrasta”.

Nas diretrizes de pessoal, devem ser estipulados critérios objetivos de ocupação de funções comissionadas, destinando um percentual de 80 a 90% das funções comissionadas para os servidores de carreira que possuam o perfil e as competências necessárias para sua ocupação, bem como adoção de medidas para o desenvolvimento de um modelo de administração pública gerencial voltado para resultados, que possibilitem aprimorar projetos iniciados, completar os inacabados, corrigir as distorções e outras ações necessárias que devem ser realizadas sempre com respaldo nos princípios legais da moralidade, igualdade, eficiência, economicidade e razoabilidade.

Fazendo com que os princípios da concessão de função comissionada transcendam a teoria, tornando-se uma prática administrativa adotada por todos no âmbito dos órgãos públicos, certamente será agregando valor na gestão pública cujo principal beneficiado será toda a sociedade.

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